sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Crime ou Comédia?

Vimos recentemente na televisão e na net uma gravação que representava um grupo de indivíduos jovens, maiores de idade ou, pelo menos, com idades para responderem juridicamente como maiores, cercando um funcionário público e apontando-lhe uma arma. Pretenderiam coagir o funcionário a prestar-lhes um serviço a que não tinham direito…

Não se tratou de ir a uma repartição municipal exigir uma licença de habitação dentro de um prazo razoável, nem obrigar um funcionário a entregar uma guia de condução que substituísse a carta que os serviços extraviaram durante o processo de renovação. Em qualquer destes casos, se o cidadão levasse a revolta ao ponto de ameaçar com arma os funcionários, já o processo-crime estaria em bom andamento…

Quanto a mim, se um grupo assim me apontasse uma arma e me exigisse um serviço, acha-me vítima de um crime, mesmo que se tratasse de um serviço simples. E mesmo que me explicassem, no final, que a arma nunca dispararia…

O caso teve lugar na Escola do Cerco do Porto no último dia de aulas, 18 de Dezembro último, quando um grupo de alunos do 11º apontou uma arma de plástico à professora, exigindo a atribuição de uma nota positiva. A mímica facial da professora não é fácil de discernir, mas a expressão corporal não engana: era a expressão corporal do medo.

Como vem sucedendo com alguma frequência, suponho que para amplificar a humilhação das vítimas, o sucedido aparecer exposto na net. As reacções dos responsáveis à exposição pública do caso foram exemplares. A Presidente do Conselho Directivo, uma tal Dr.ª Ludovina foi de uma clareza exemplar: “que chatice”. Soube-se. Não pôde ser abafado… Mais diplomata, a directora Regional de Educação do Norte classificou este caso como uma "brincadeira de mau gosto".
Vejamos: ou a cena teria sido previamente combinada com a professora e esta é uma excelente actriz ou de facto foi publicamente intimidada e humilhada, sentindo-se de facto vítima de um crime. Neste caso, a Presidente do Conselho Directivo e a directora Regional de Educação do Norte podem aparecer, aos olhos dos leigos, como tentando encobrir este crime.

Aquilo a que assistimos foi um crime perpetrado por indivíduos maiores contra uma funcionária pública no exercício das suas funções ou a representação de um crime com estas características. Se foi apenas uma representação todos, a começar por quem escreve, ficamos muito mais felizes. Se se tratou de um crime, foi mais um dos muitos que vamos tendo notícia e ocorrem nas nossas escolas. E foi um crime público, numa escola pública. Crime ou representação, só há uma entidade que poderá esclarecer o País de forma credível: o Ministério Público.

Se o Ministério Público não nos esclarecer,

Haja saúde…

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Observatório de Segurança de Estradas, “Jamais!”

Na rádio, notícia matinal enquanto se conduz sobre piso molhado: o Observatório de Segurança de Estradas estudou sete auto-estradas e vias rápidas, incluindo a A2 e a CRIL. Acusa os construtores e o Estado de não cumprirem, nem fazerem cumprir, a legislação obrigatória destinada a evitar lençóis de água. O jornalista explica de forma simples e compreensível: estes lençóis não deveriam ter mais de três a cinco metros mas chegam a mais de 100. Esta situação é particularmente gravosa após as curvas onde, mesmo uma redução de 120Km/h para 90Km/h pode ser insuficiente para evitar um despiste.

Esta notícia significa que cada um de nós pode sofrer um despiste destruindo o carro, provocando as recorrentes filas intermináveis ou, quiçá, ficar ferido ou morrer. Após o acidente, imaginem como será para encontrar um responsável por este incumprimento da legislação…

A boa notícia é a de que esta má (e ilegal) prática pode ter correcção simples e barata: basta colocar drenos de racha nos locais adequados. Posto isto, a emissora tentou contactar o Ministério das Obras Públicas. Podemos estar descansados. De acordo com o Ministério, que rebateu a notícia de uma forma peremptória, não devemos reconhecer credibilidade ao Observatório de Segurança de Estradas. Naturalmente, podemos estar descansados. Quem nos merece credibilidade é o Sr. Ministro, o que garante que um aeroporto no deserto da margem Sul do Tejo, “Jamais!”.

Haja saúde, meus Amigos

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Televisão pública, jornais privados...

Quarta-feira de manhã: dentista. Oportunidade para folhear os quatro diários generalistas gratuitos que nos oferecem em Lisboa: Destak, Global, Meia Hora e Metro. E ainda o excelente OJE, O Jornal Económico, também gratuito, mas difícil de encontrar.

Cada um destaca programas de televisão dos quatro principais canais. Nos critérios dos diversos jornalistas, são mais merecedores de recomendação. O Destak recomenda na RTP1 “Cidade sem Regresso” (01:00), “Sem Rasto” (22:45) na RTP 2, “A Lei do Mais Forte” (01:50) na SIC e “Falsas Aparências” (00:20) na TVI. O Global traz-nos uma recomendação semelhante. Varia na SIC, sugerindo “CSI” pela 01:00. Já o Metro aponta apenas um programa dos quatro canais de sinal aberto, “Falsas Aparências” às 00:20 na TVI.

A fazer fé nos jornalistas destes vários jornais, o que de mais interessante há na televisão a que todos têm acesso é transmitido em horário impraticável para a maioria dos portugueses. Esta opção é já questionável em relação aos privados. Foi-lhes atribuída licença de emissão num concurso em que se escolheram dois, em detrimento de um terceiro concorrente. Por critérios que deveriam ser orientados pela qualidade oferecida aos cidadãos. Mas que dizer da RTP, sustentada pelo erário público. O propósito da existência da RTP, sorvedouro de recursos, só pode ser o de marcar a diferença, através de um serviço público de televisão que seja referencial.

Tempos estranhos, estes que vivemos. Jornais pagos pela iniciativa privada, que nos são oferecidos na rua, orientam-nos para os programas televisivos de alguma qualidade. A RTP, paga pelo Estado Português, apresenta-nos em horário nobre esse referencial do serviço público de televisão, “O Preço Certo em Euros”…

Haja saúde, meus Amigos

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Os deficientes que paguem a crise

No final do noticiário matinal na TSF: os deficientes que, durante o dia, frequentam centros de instituições privadas de solidariedade social irão passar a pagar uma mensalidade. Esta será calculada de acordo com a declaração de IRS do agregado familiar e poderá chegar a cerca de 150 euros.

Quem priva com famílias com filhos portadores de deficiências graves tem um vislumbre de algumas das vidas mais esfarrapadas que se pode imaginar. Esfarrapadas pela prisão permanente a um filho dependente que absorve toda a vida familiar. Esfarrapadas pela ausência de vida social. Esfarrapadas pela impossibilidade de desenvolver um projecto profissional. Esfarrapadas pelo sorvedouro de tempo e dinheiro a que os cuidados de saúde obrigam os deficientes e suas famílias. E esfarrapadas pelas maiores angústias dos pais: a de ver um filho a sofrer sem esperança de acesso à felicidade e a de saber que um dia a sua morte deixará no mundo um ser perdido e abandonado.

Os cidadãos deficientes são os mais frágeis e os mais necessitados de apoio público. Mais que as mulheres, as crianças, os velhos, os desempregados e os imigrantes. Mais frágeis do que tantos que têm recebido merecidos apoios. Mais que todos. Em Portugal, têm sido vergonhosamente abandonados pelo Estado. Todos e cada um de nós se deve envergonhar com a forma como estes cidadãos têm sido tratados. Num período em que todos os dias nos chegam notícias de milhões endossados ao sistema financeiro para cobrir fraudes e má gestão, esta notícia deve ser sentida como um insulto à Humanidade e um acto de cobardia: os deficientes não se manifestam nas ruas de Atenas…

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O Turismo da Morte Assistida

Na passada semana, uma notícia de rodapé num dos diários gratuitos que recebemos nos semáforos, deu-me motivo para reflexão: A justiça britânica tinha considerado que não deveria processar o pai (ou pais) que tinha levado o filho tetraplégico até à Suíça, onde o rapaz pode suicidar-se em conformidade com a legislação local. As autoridades do Reino Unido, onde este tipo de assistência ao suicídio constitui crime, consideraram que, ao levar o filho para a Suíça para aí realizar o que é crime na sua pátria, o pai não cometera nenhuma ilegalidade significativa.

Esta atitude das autoridades britânicas poderia promover atitudes curiosas. No limite, poderia sempre transportar-se para outro estado alguém a quem se quisesse impor uma atitude que, entre nós, fosse considerada um crime. Um marido traído levaria a mulher adúltera para onde a pena por tal crime fosse a morte por lapidação. Comprava um bilhete de ida-e-volta e outro de ida simples…

De forma mais simples, parece estar aberta a porta para um tipo de turismo que lembra aquele que, há algumas décadas ocorria para a Holanda, então o único país europeu tolerante para com o consumo de drogas. Teremos agora o turismo da morte assistida…

Os cuidados médicos modernos têm sido capazes de prolongar a vida humana para além de limites impensáveis há algum tempo. Muitos doentes, que há vinte anos teriam uma sobrevivência muito curta, podem hoje viver muitos anos, com muitas limitações e, por vezes, com grande sofrimento físico e moral. A possibilidade de prolongar a vida aos doentes deve obrigar-nos a disponibilizar sempre os meios que para tal forem necessários. Mas não nos dá o direito de obrigar seres humanos a uma existência de tortura sem fim à vista.

É indispensável iniciar-se um debate atempado sobre a questão da eutanásia. É, seguramente, a mais difícil questão ética dos próximos tempos. Tem de ser profundamente debatida a nível nacional e, provavelmente, europeu. Qualquer opção deve ter em conta o superior direito à vida, mas também o imenso sofrimento e desespero de alguns doentes. Mas que impeça absolutamente qualquer abuso sobre os mais fracos e dependentes. Qualquer decisão deve resultar de uma reflexão profunda, prolongada e cuidadosa. Não é sensato esperar um debate desapaixonado, mas é imperativo que se inicie com brevidade. Sob pena de vermos a TAP vender mais bilhetes de ida para a Suíça do que voltas…