sábado, 14 de março de 2009

A nossa Pátria é a Língua Portuguesa



O Dr. Pinto Monteiro, nosso Procurador-Geral da República, pronunciou-se sobre a proposta lei do Governo relativa ao crime de violência doméstica. Levantou várias questões e identificou erros ortográficos até uma vírgula separando um sujeito do predicado. Muitos se questionaram sobre a oportunidade para estes reparos. Até o meu amigo Gonçalo Simões (http://doisdedosdeconversa.blogspot.com) se pergunta se não seria legítimo esperar outras coisas de um Procurador. Por exemplo, diz, não deveria antes estar mais empenhado na resolução das questões forenses, nomeadamente, na letargia em que os processos e a justiça se encontram há muito?


Seguramente que sim. É claro que não é aconselhável que o PGR dedique muito do seu tempo a corrigir os erros dos senhores Deputados. Mas, em boa verdade, assistimos regularmente a reparos à qualidade legislativa que, nos últimos anos, tem sido produzida pela AR. As críticas têm provindo dos mais altos magistrados da República, mas também dos representantes dos Advogados e de outras classes ligadas ao exercício da Justiça.


Não consigo deixar de suspeitar que estamos perante aquilo que chamo “a questão da forma”. “A questão da forma” tomou conta da sociedade portuguesa. Generalizou-se a ideia de que o “conteúdo” da comunicação é o que tem valor, sendo a forma absolutamente indiferente, desde que o conteúdo seja perceptível. Dito de forma mais vulgar, “o que interessa é que se percebe…”. Esta noção infiltrou-se de tal modo em todas as áreas de actividade que hoje domina até a elaboração de textos que deveriam ter a marca da qualidade. Todos os anos me passam pelas mãos centenas de exames do ensino superior. Muitos são incompreensíveis. A redacção da maioria deles seria inaceitável há poucas décadas e conduziria directamente à reprovação. Mas não são só os alunos. Paulatinamente, esta degradação invadiu toda elaboração de documentos, até oficiais. Vexou o "Magalhães". E chegou à produção legislativa...


Não faltará quem venha dizer que tal não tem importância. Que “o que o importante é que se perceba…”. Ora o grave é que, justamente, importa. Não bastam boas intenções e boas ideias. É necessário que sejam transmitidas de uma forma perceptível, correcta e inequívoca. A meu ver, o PGR foi lembrar à Assembleia uma verdade que é desvalorizada com excessiva frequência: são as palavras que permitem estruturar o nosso pensamento. Se não forem usadas com rigor, o que escrevemos não corresponderá, exactamente, ao que desejamos transmitir. Para todos, mas particularmente para que tem de produzir Leis, a forma é o conteúdo… Não se pretende que todos Deputados sejam simultaneamente licenciados em Letras e em Direito. Mas é desejável a as Leis saiam como se tal fosse possível. E seria, também, desejável que o cuidado no uso da Língua Portuguesa se estendesse a toda a Sociedade.


Afinal, a nossa Pátria é a Língua Portuguesa…

1 comentário:

  1. Completamente de acordo, Jorge. Creio que estamos do mesmo lado da barricada.
    Quando me referi ao pormenor da vírgula, não foi minha intenção desvalorizar o modo como se escreve. Prezo o bom uso da língua, que deve ser cada vez mais cultivado, face aos aviltamentos que por aí grassam. Como sabemos toda a forma é conteúdo.
    Mas o meu alvo era outro: o que pretendi dizer é que na mira do PGR deveriam estar outras coisas: caça grossa e não caça aos patos!

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